terça-feira, 19 de abril de 2011

O rosto do Senhor

"Uns assistem com avidez,
para não perder os detalhes
do espectáculo da Sua morte,
como não quiseram perder
o dos Seus milagres.
Não têm ódio, mas curiosidade.
Querem entreter-se
admirando as mudanças da fortuna
que ontem Lhe davam glória
e hoje o patíbulo.

São os mesmos que antes
falavam d'Ele com entusiasmo
e tinham ido vê-Lo
para poderem contar, eles também,
os mesmos milagres e prodígios
que outros contavam.

Agora voltam atrás com a memória,
e refazem os seus entusiasmos,
e desprendem-se com cuidado
das perigosas aderências,
dos dias felizes passados junto d'Ele,
dos gritos e louvores,
e de terem ido dizer aos vizinhos
que era alguém.

Os mais espertos olham-no com cinismo,
contentes de saber que sobra para todos,
que os outros também sofrem.
E que aquele que parecia alguém,
rasteja como um verme,
para que aprenda e esteja ciente.

Também há olhares de ódio,
difíceis de entender.
São os que mais gritaram
exigindo a cruz.
E o ambiente ainda está carregado
com a tensão de seus corações.
Seus olhares irritados
afogam os murmúrios
e perfuram os olhos dos ingénuos,
gelando-os.

Muitos outros se juntaram,
como em rebanho,
ao ódio de poucos,
e pensam, aturdidos,
que alguma coisa deve Ele ter feito,
e que levou o que merecia,
porque seria incómodo pensar outra coisa.

À parte a Sua Mãe,

não encontra no caminho ninguém
que O olhe como amigo.
Os que realmente Lhe querem bem
não estão ali, fugiram.
Desde ontem, ninguém sabe deles."



("O Sinal da Cruz", Juan Luis Lorda)

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